Pela nave recente das novidades que contundem fundo, também chega "Infernos fluviais e Por que nunca conversamos sobre Nick Cave?" (Ed. Clóe), novo livro ou melhor, livraço, livríssimo!, do querido Marcelo Torres.
Poesia que nos captura com seu estado avançado de liberdade, quando as palavras já não têm medo do voo livre do voo, porque elas aprenderam com Marcelo, a plasmar o que quiserem em seu trato com a linguagem, através da imantação estético-sensória natural, que transporta o pólen poético do movimento e dos sentidos... voagem da criação e seu fluxo, pulsante, poesia que se reinventa de significados pela amplitude dimensional que se (nos) concede..., que sabe ser rio, sendo céu, inferno, anjo Rilke, budas do nordeste, néctar, ... Um rio de poemas onde a leitura nunca é a mesma, por pura invocação e profundidade das imagens. E nos expande. De novidade. Obrigada, Marcelo! 🙏🏽
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Alguns poemas do livro:
Tempo de andar atrás de cura ou de memória
O fundo da narrativa vê o exílio imperturbável.
Herdou uma biografia fictícia, agora na terapia tenta romper os fios,
coração nos livros, nebulosa aptidão para choques no inverno.
Espera mais de tudo, como uma vela acesa posta no alto,
para iluminar cadeiras sobre lagos noturnos onde boia. A tua suspensão
é o encalço dos anos onde todos os quadrinhos foram lidos,
os filmes se tornaram uma conversa interrompida,
digna de calma. Chega um momento de esgotamento, dormem em balneários
o néctar, a fruta do mato como um anjo a ser pintado.
Todas as praças em volta te sorriem.
Quando está tarde demais às inflexões avulsas racham duas esferas,
ilha/vida. Ambas lambem teu oceano de perdas.
(p. 17)
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poema 2 de 15 ideias ou mensagem sem cineastas
espero nunca ter uma mensagem que tranquilize as pessoas,
o mundo é enlouquecedor como o tecnicolor
forjo bocas à deriva, ervas daninhas para aqueles mamíferos
encorpados pelos planos secretos que destroem os cantos
yanomamis, macuxis, mulheres línguas de estandartes/flechas, relvas
a revelação do peixe vermelho, grávidos de telas neobarrocas
o que faço da minha amargura?
sonho-a dentro de pelo menos três pessoas
(p. 63)
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refúgio
eu estou sem a zarabatana do desejo, mas caminho no verde,
veja, sou uma pessoa sem lugar de origem que seja fixo,
baralho, espalho as cartas, quero uma vida/jogo
onde o barato é não sair caro, mas raro,
faíscas, transe do chá que esclarece,
Rilke é um anjo daqueles que devemos acompanhar,
nas estradas, pelos castelos estéreis de ilhas longínquas,
no traçado que faço na folha, no brejo dos beijos,
sairemos todos enlameados desse planeta,
seja a paixão esbaforida do bicho caçado
aço frágil minha cama que desaba
por teu furor de onda, caranguejo,
remove-se a favela, surto ácido,
em cada palmo de terra uma coisa surge, brota,
arrota borbulhando gases, ah! vida desgraçada
não acabe com a "afta querida" do poeta,
lhe dê um barco dilatado pelo esplendor das altas lembranças.
(p.36)
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