Tão boa a companhia do livro "Entre os Lábios do Avesso", ( Editora Patuá - 2023 ), da querida Sandra Boveto ... que ameniza-nos de mundo.
O livro é um universo de poemas que nos transporta por dentro e por fora das órbitas que compõem o tempo e seus viajores, todos com seus respectivos avessos.
Sua poética nos suspende num pêndulo giratório de visões na viagem, com a magnificência que só a aptdão da verdadeira beleza pode alcançar,
pelas cordas siderais de uma delicadeza profunda, sensória, numa elevação que nos flana entre as milhares de pontas das palavras, interagindo-nos de múltiplas sensações habitantes lá das outras bandas da alma ....entre os "multiversos" de ser.
Poética que revira o verbo no fundo de nossas constelações, onde cada poema toca, expande e explode em supernovas portadoras do melhor avesso que há em tudo, em todos/as, sem revelar-nos de qual lado ele fica ou em qual dos lábios do coração de nossa leitura, ele desponta. E cria outros.
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Obrigada, Sandra Boveto, por tanta beleza!!! Bjo. ❤️📚🌬🌏✨️
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SINGULARIDADE
transito entre arranha-céus
cravados nas têmporas
da nuvem
um temporal ruge
e se avizinha
meu tempo insistente caminha
escalo o transe das paredes lisas
vidros fumês atemporais
refletem cinzas
deslizo acima
não há anjo final na esquina
nem há fôlego
pelo imã cinzento despenco
e perfuro
a cama elástica do espaço-tempo
presa da insana gravidade
talvez escape
pinçada pela singularidade
(p. 85)
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ECLIPSE DA REALIDADE
quero a dimensão improvável
em que a lua e o sol
negam-se ao sono dos comuns
e procuram-se
desviam seu curso universal
unindo versos
no reverso do esperado
quero a dimensão do infinito
guardada no que não é eterno
dispenso a eternidade
que em legítima defesa
rejeita a intensidade
do que desejo
(p. 32)
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NÃO ABRA A CAIXA
onde está a realidade?
não, ela não está aqui
lacrada nesta caixa
sou o tal gato vivo-morto
superposição quântica
velada
indefinida
estou morta
e estou viva
ao observador sou tudo
e nada
não abra a caixa
o tempo?
ora, o tempo
não o tenho aqui
agora
também não está lá fora
não o entendo
ele fixa
mas não é fixo
contínuo, é peremptório
muda e registra
faz muda e mata
é branco e marca
mancha e limpa
sua marcha é limpa
ainda assim, a nódoa fica
não, não abra a caixa
cicatrizes?
invencíveis
as piores se mostram e revelam
o que só a morte cessa
depois dele
do tempo
depois de muito dele
vejo que não é o tempo
mas os vermes
que apagam as cicatrizes
iguarias
que o tempo serve aos vermes
elas vivem além de você
eles não sobrevivem ao tempo
sim, os vermes
o tempo os devora
com seus estigmas corroídos
não abra a caixa
engane-se por um tempo
não faz mal
ao tempo mal nenhum se faz
(p. 19, 20 e 21)
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RASA É A RAZÃO QUE SE ARRASTA
esperam-me pouca
no oco da voz
na casca da noz
sou parca e tosca
fosco é o espaço
turvo e quadrado
gira ao desgaste
e engata-se
na órbita crucis
esperem-me cíclica
à morte das horas
...
pandoro-me aquém
do fundo da caixa
- procuro o fundo
em todas as caixas
rasa é a razão que se arrasta
basta-me e vem
lança do tempo
me alcança
transpassa
não há fundo
e não afundo na caixa
...
descanso em descaso
no casco do touro
ao agouro
de um tempo sanguíneo
(p. 75 e 76)
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